sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Fogo

Amanheceu cedo sobre o abrigo, e assim foi possível ver a magnitude e esplendor da paisagem que nos rodeava. O cansaço e preocupação da noite escura do dia anterior desapareceu, e todos sem excepção respiraram de novo o ar fresco das montanhas, que agora se mostravam sem medo.

A manhã foi mágica… fomos de novo brindados com mais um desafio, ou melhor, cifra cunhada no mais avançado equipamento tecnológico, que regista e guarda momentos da história.

Depois de criarmos a nossa capa, o desafio passava agora por compor o nosso ‘Super Homem-Novo’. Contudo não era uma fórmula simples composta apenas por objectos materiais… havia algo poderoso que redescobrimos ali, na simplicidade da construção de algo, que a partir daí ganhou vida em cada um de nós.


Ainda que calejados pela dura subida, e mesmo alguns de nós, com algumas marcas de fragilidade física, enchemos-nos de coragem e mantivemos a vontade de conseguir atingir, sem margem para dúvida, o nosso objectivo – atingir o pico do monte de Lötschenpass, a 2690m de altitude - partimos então, apenas com o essencial, pelos trilhos que se estendiam monte acima.



Foi impossível ficar indiferente à paisagem, que se abriu com o sol da manhã diante de nós. Entre sorrisos gigantes, brincadeiras e olhares que se perdiam de vista, fomos apoiando-nos e partilhando histórias e sonhos, pedaços de cada um de nós.
Parecia quase um universo diferente, sem rotinas, horários ou pressões… e neste novo universo, caminhávamos agora sobre uma massa de gelo límpido que se derretia nas nossas mãos.



Atingimos o vale gelado a 2420m de altitude. Demorámos mais tempo do que tínhamos delineado a priori para ali chegar. Tivemos de recalcular quando atingiríamos o pico da montanha, dado o ritmo do grupo. Percebemos que iria começar a anoitecer antes de chegarmos ao abrigo, e que assim sendo não teríamos mantimentos e condições de segurança que garantissem que todo o grupo chegassem bem ao centro.
Ainda que quiséssemos todos atingir o pico, compreendemos que nem todos iriam conseguir atingir o ritmo necessário para fazer esse trajecto antes de anoitecer. Por muito que nos tenha custado, entendemos que só fazia sentido se o atingíssemos enquanto grupo. 
Decidimos então regressar, não sem antes criarmos a nossa própria cruz, como símbolo do pico que atingimos em grupo e, também ela como ponto de viragem.



Descemos pelos trilhos que havíamos antes subido, acompanhamos pelo ritmo das pedras que se soltavam e rolavam na descida. Recolhemos as nossas mochilas no abrigo, e despedimos-nos do lugar onde compusemos o nosso ‘Super Homem-Novo’.
À semelhança da subida, a descida foi igualmente íngreme e sinuosa. Depois de umas quantas peripécias, atingimos de novo caminho menos acentuado, que se foi estendendo até ao Centro.


Neste caminho de regresso partilhámos de novo o peso das mochilas e até mesmo do nosso corpo, para podermos regressar, àquela que foi a nossa verdadeira base durante esta aventura.
Anoiteceu rápido, e entre os vales, o manto denso e frio da noite foi-se alastrando, mesmo assim tivemos a sorte de ser gladiados pela lua, que como que às escondidas aparecia e desaparecia entre o nevoeiro. 


Chegámos tarde ao centro, o jantar já á muito que tinha sido servido. Foi-nos guardada comida, que nos soube imensamente bem depois desta aventura. Os olhares cansados foram partilhados à mesa, mas sempre que acompanhados com um sorriso. Depois de todos os afazeres teríamos ainda aquele que haveria de ser um dos momentos mais marcantes desta actividade.
Debaixo do manto de estrelas, que estranha e magicamente se abriu de novo para nós no Campsite, passámos a guardar aquele que será o maior segredo deste nosso 'Super Homem-Novo'. Contudo, não existe nenhum equipamento altamente avançado para guardar o momento. Apenas cada um dos nossos corações o poderá revelar.

 A partir desta noite, haveria uma chama que nunca mais deixaria de fazer sentido.

Andreia Domingues.

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